segunda-feira, 2 de março de 2015

Uma Peça de AMOR!


Uma peça de amor.


Um anjo da guarda estava entediado com seu protegido que vivia uma vida sem desafios que precisassem de proteção. Então ele decidiu subir aos céus e ouvir as orquestras angelicais de liras e harpas do paraíso.
Enquanto assistia a orquestra sobre uma nuvem viu aproximar-se dele um cupido.
-Um anjo da guarda no céu? Estás desempregado? –Perguntou o cupido.
-Entediado meu caro. Entediado! Não tenho tido emoções protegendo na Terra, mas infelizmente o Paraíso também está monótono. O tédio irrita minha eternidade.
-Certo. Imagino como seja ruim. Contarei uma história de humanos para te distrair. Topas?
-Claro. Já me enjoei também das calmas músicas do céu. Conte-me tal história a me alegrar.


Então o bom cupido iniciou sua história:
Existia na Terra uma mulher mais linda que os anjos. Ela estava em seu solilóquio costumeiro, olhava-se no espelho, arrumava um pouco o cabelo, revia a maquiagem. As vestes não eram de uma indumentária mais ornamentada que o normal, era um vestido leve e um chapéu. Revia e relia as falas. Entraria no palco. Era uma atriz.
Devagar ela entrou no palco, que tinha um cenário com cores azul e coral. Entrou com um pequeno cachorro que contracenava com ela. Brincava com o animal. Corria, via o horizonte da plateia e amava a vida. Sem que percebesse estava pisando em areias de praia, e via a água do mar que era o espelho das cores azul e coral do céu de fim de tarde.
Logo um homem aproximou-se e brincou com seu cão. Ela sentia o vento beijar seu rosto com sopros fortes. O vestido queria despir-se sendo impedido pela mão em um movimento desengonçado dela. Ria da cena.
-Está ventando forte hoje. –Dizia o homem sorrindo com os cabelos dançando no bailar do vento forte.
-Sempre venta forte a beira mar. –Ela respondia ainda nos movimentos de proteger o chapéu e o vestido da força do vento.
-Não como hoje. Hoje o vento está mais forte e frio, mas a água está morna. Coloque os pés na água.
Ela então caminhou ao seu lado e colocou os pés ao fim da onda. A água estava um pouco morna. Mas calma! Era água de verdade. Na Peça a água era um papel crepom qualquer, ali não, a água era real, o mar era real. Ela se perguntava se ainda estava na peça encenando ou estava na vida real. Ficou preocupada.
O homem ria e brincava com a água morna molhando-a e ela, sem saber, estava sendo conquistada por aquele mancebo. Sem que ela notasse, eu, anjo cupido, disparei uma certeira flecha do amor nela, ela estava se apaixonando.
Então ao fitar dos olhos brilhantes dos dois um beijo aconteceu. Um beijo longo e quente. Após o beijo ela se desesperou, na vida real ela tinha um amor já. Era muito bem casada, não podia estar fazendo aquilo, mas aquela não era a vida real, era uma peça, ou não? Ela já não sabia. A bela atriz subiu no palco para interpretar um papel, mas sem perceber parecia que o papel era mesmo a vida dela. Tudo era confuso.
O homem insistiu mais por seus beijos e confusa como estava, sem saber o que fazer se deixou levar pela emoção. Entregou a ele seu corpo em volúpia. Atiçou-o como uma meretriz e amou-o como uma santa, fez da água morna fogo que não queima, mas que aquece. Embriagaram-se um do outro em orgasmos de paixão. Era um amor sem razão de ser. E assim é o amor, ele simplesmente acontece, não precisa de um porquê.
Por que aquele homem causava isso nela, se ela já tinha a quem amar? Acho que ela estava querendo fugir do tédio, como você anjo da guarda! No fim das contas, a rotina é o veneno as tradições.
Não sabe-se ao certo se foi por tédio, mas o fato é que ela amou aquele homem da praia e as cortinas se fecharam. A peça acabou. Era hora de voltar à realidade.
Poucos assistiram, praticamente ninguém, mas os que viram bateram palmas de pé gritando “Bravo! Bravíssimo”. A peça de fato acabou.
Em seu casamento ela não era infeliz, mas não vivia o que viveu com o homem da praia. Lamentou-se da vida real ser menos emocionante do que a peça. Pensou que às vezes é melhor fazer da vida uma peça, e da peça uma vida.


-Pelos mestres arcanjos! Que Bela história camarada cupido. Obrigado por me distrair. Agora tenho que voltar ao meu protegido.
-Por nada Anjo da guarda. Leve isto contigo e abra na terra, é um presente. – O cupido entregou-lhe então um envelope de carta.


O anjo da guarda desceu menos entediado a Terra e observou sua protegida muito pensativa olhando o nada pela janela, um pouco melancólica e sombria. Decidiu invadir seus pensamentos e lá viu que ela pensava em um homem na praia. Percebeu então que ela estava com uma flecha do cupido fincada no peito.
Esbravejou irritado em pensamento. “Maldito cupido! A história que contava era da minha protegida. Cravou a flecha em seu peito enquanto eu estava no céu me distraindo.”
Ainda irritado, abriu o envelope da carta do cupido e leu:
“É quando estamos com a guarda distraída que um novo amor nos invade.”

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